terça-feira, 26 de agosto de 2014

A cegueira dos que tudo sabem

Na sala de espera do dentista folheava tranquilo uma revista Veja, quando fui indagado de forma dura: “Você lê está merd…”? A voz de advertência ecoou em meus ouvidos como uma bomba. Recuperado do susto ponderei que sim. Que era uma leitura habitual em minha vida, assim como a Isto É, Época, Exame, Carta Capital, Caros Amigos, Playboy (saiba que é possível ler imagens) e por aí vai.

Não entendo essa nova lista de Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos – tradução livre) do mundo moderno, só que a bola da vez não são os livros, a perseguição agora é contra algumas revistas e jornais, sem falar da lista negra recheada de jornalistas que não podem abrir a boca ou escrever uma vírgula que já são crucificados. Em suma, o mais importante deveria ser o que fazemos com uma informação recebida. A imprensa é feita por seres humanos, passivos de erro, por isso o cidadão não pode apenas engolir o conteúdo que lhe é apresentado, absorver uma notícia sem uma visão crítica.

Hoje, com o fenômeno das redes sociais, é normal, porém irracional, as pessoas compartilharem notícias falsas, de sites, blogs, perfis e páginas fakes. Às vezes somos tão cegos ao defendermos uma posição, que esquecemos o que é real, os fatos. E isso acontece com pessoas de todas as classes sociais e escolaridade. Não é preciso ser um catedrático para criticar ou se manifestar, basta sair da zona de conforto, deixar a ingenuidade e alienação de lado. Indagar, perguntar e desconfiar são premissas para escarafunchar qualquer coisa.

Aliás, tivemos um exemplo de militância desastrosa, para não dizer irresponsável, com a morte do candidato a presidência, Eduardo Campos/PSB. As redes sociais foram o ponto de partida para notícias desumanas. O petista apontava Aécio/PSDB como o mandatário do fatídico acidente aéreo, já os tucanos acusam a Dilma/PT, isso sem falar daqueles que apontavam o dedo para Marina Silva, que nos bastidores lutava pra ser mais que uma vice. Uma cachoeira de teorias conspiratórias, oriundas de informações plantadas, sites falsos e fontes duvidosas. Dessa forma qualquer manifestação ou posicionamento político se transforma em uma insanidade. 

Portanto, manifestar, se indignar, defender um ponto de vista e levantar uma bandeira são coisas inerentes ao homem como um ser político, isso não faz de você um cidadão da elite branca, amarela ou vermelha. Pois nem toda opinião é uma perseguição e, se calar não deveria ser uma opção. Não se pode dividir a humanidade entre aqueles que gostam do PT e os que não gostam, por exemplo.

Por convicção nunca votei no PT, não confiaria meu voto na legenda petista nem para um presidente de associação de bairro, mas isso sou eu (a minha opinião não pode ser absoluta). Isso não quer dizer que sou tucano, PSB ou qualquer outro, só tenho uma opinião diferente daqueles que parecem viver num Ensaio da Cegueira (uma alusão a Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago). Para mim, no quesito partido político, todos se sentam à mesma mesa e se servem do mesmo prato, enquanto o povo não é convidado para o banquete e ainda come os restos.

Por Tiago Rodrigues

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Pelé ou Maradona, no dia 5 de Outubro?

Prometi a mim mesmo e as pouquíssimas pessoas que leem meus textos, que não escreveria nada sobre a Copa, pelo simples fato de que tudo que poderia ser tido já foi gritado, ou melhor, “até porque o que tinha que ser gasto, roubado, já foi”. Palavras da nossa querida, Joana Havelange, filha de Ricardo Teixeira, que comandou a candidatura do país a sede da Copa do Mundo, e neta do poderoso chefão, João Havelange, que presidiu a Fifa por mais de 20 anos. Sem esquecer que a menina ocupa o segundo principal cargo executivo do Comitê Organizador Local (COL) do torneio. Como diretora-executiva da entidade, teria uma remuneração mensal, muito pequena, superior a R$ 100.000,00. Então como diria Gabriel, aquele o Pensador, “nádegas a declarar”.

Porém, ao ver e ouvir o Rei Pelé e outros jogadores da atual seleção dizerem “esqueçam os problemas, as mazelas, vamos gritar Brasillll e mostrar nossa paixão pela pátria de chuteira” – confesso que meu estômago deu uma embrulhada.

Certa vez, em uma das minhas andanças pela Argentina saí a perguntar aos hermanos, quem foi melhor? Pelé ou Maradona? Resposta unânime, do porteiro ao barman, passando pelo taxista (taxistas nas terras vizinhas não são nada educados). Como persona Pelé era mejor, como jugador, Maradona.

Bem, não precisa ser Eva Perón para entender o dito, basta saber que persona nesta elocução, remete a caráter. Quem sou eu, um reles plebeu pagão, para falar do caráter do rei do futebol, porém não há como evitar o comentário. Mais uma vez, com as palavras, o bom de bola deu bola fora, assim como muitos seguidores da seleção.  E quem diria, o eterno camisa 10 da Argentina, perdeu a coroa de persona non grata.

Todos, sem exceção, têm o direito de manifestar, de ir às ruas, de pintar o rosto, de levantar faixas ou cartazes de protesto, de gritar e cantar por dias melhores. Só não podem partir para a violência, pois ao desrespeitar o direito do próximo, você por legitimidade perde o seu. Ao depredar um patrimônio público ou privado, o cidadão passa a categoria de bandido, marginal, vândalo e no pior dos adjetivos vira um político, e não um ser político.

Portanto, assim como muitos não querem curtir a Copa, outros tantos querem sentar em frente à televisão ou ir a um estádio e gritar pela seleção Canarinho, é legítimo. Da mesma forma que também querem receber bem os turistas, aliás, isso é ser educado, é como receber uma vista em casa. Agora vai me dizer que o Brasil não é sua casa? Então qual o motivo de manifestações por um país melhor?

O torcedor só não pode esquecer que depois do dia 12 de Julho, a educação, a segurança, a saúde, a infraestrutura dos aeroportos e de mobilidade urbana, continuarão precários. O assalto ao dinheiro público continuará, pois querida Joana Havelange, amanhã não será um estádio, será outra obra “elefante branco” ou coisa parecida. De certo, o dinheiro não irá para investimentos em hospitais ou escolas, pelo menos enquanto as leis forem café com leite. Como minha pátria é de livros, lápis e cadernos e não de chuteiras (e olha que amo futebol), prefiro a rua aos estádios.


Mas isso não quer dizer nada, se você não votar com consciência nas eleições, votar, acompanhar e cobrar. Porque o problema não é ser torcedor durante a copa, e sim jogar mal dia 5 de outubro, nas urnas.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Onde está o πάππας



Depois de quase 8 anos voltamos à escolha do “pai” católico, Papa (possivelmente provém do Latim "Papa", do Grego πάππας, uma palavra carinhosa para pai). O agora “El Peregrino”, ex-pontífice Bento XVI, que foi eleito no conclave em 19 de abril de 2005, não aguentou o tranco e renunciou ao cargo. Dessa forma teremos mais uma vez o ritual da fumaça, vamos colocar fogo no Vaticano.

Quando digo vamos! É porque decidi me candidatar ao Papado, pois pela Lei Divina (uma espécie de Código do Consumidor Católico), qualquer homem católico e batizado pode se candidatar, porém só os Cardeais querem dominar a palavra de Deus, uma espécie de monopólio religioso.

E bastou Joseph Ratzinger gaguejar em latim que iria largar o osso bíblico, para começar as articulações políticas, vários partidos católicos, já postulam o lugar mais alto da Santa Igreja.  Vale lembrar que o cargo é vitalício, mas a renúncia é uma opção. Até pensei em indicar o Renan Calheiros para o posto, mas acho que o batismo dele está sendo investigado pela Polícia Federal. Seria até bom, o Brasil livre dos “Renans” e o Vaticano virando uma Brasília, ou já não seria uma?

Agora para quem não entendeu o ritual da fumaça, citado no inicio do texto. Vou relembrar um texto que escrevi em 2005, logo após a escolha de Ratzinger, então braço-direito de João Paulo II. Neste ano, Joseph incorporou a continuidade, pois conseguiu reunir as várias correntes da igreja e levou a eleição, porém o que escrevi há quase 8 anos está vivo como nunca, depois da passagem sem graça do ex-papa...“Mais sinceramente o que mais chama atenção nisso tudo é a forma como o Colégio dos Cardeais escolhe o novo Papa. Eles se reúnem em um conclave, onde todos votam em cédulas, quando chegam a um consenso, as cédulas são queimadas, o que produz uma fumaça branca, significando que eles escolheram o novo Papa. O escolhido Joseph Ratzing nascido na Alemanha, agora conhecido como Bento XVI, é um tipo seguidor da Igreja Católica, o que significa que é contra tudo que possa significar avanço e modernidade”...escrito numa quarta-feira, ‎20‎ de ‎Abril‎ de ‎2005, às ‏‎13:01:32.

El Peregrino ganhou destaque em 1968 quando travou uma luta ferrenha contra o marxismo e o ateísmo, que cresciam entre os jovens. O seu ultra conservadorismo se juntou a igreja católica totalmente conservadora, que não avança nas questões que envolvem ciências, aborto, uso da camisinha e homossexualismo. Fora o paradoxo de uma igreja tão rica não fazer quase nada diante da pobreza extrema que atinge alguns países, e ainda estar envolvida em tantos casos de corrupção moral e financeira. Neste contexto, temos a diminuição dos católicos e o surgimento de inúmeros pastores evangélicos picaretas. Então surge a pergunta: Onde está o πάππας que queremos ou que precisamos?

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Entre o sagrado e o profano



Maria Joaquina era uma menina linda de pele morena e de olhos azuis, com o cabelo preto que chegava a doer às vistas. Muito religiosa, só pensava em ser freira no convento da Igreja de Nossa Senhora da Piedade, na cidade de Ilhéus. Ao completar 18 anos seu desejo foi atendido pela mãe, que também estava muito feliz em ver a filha seguir o caminho religioso.
No convento, Joaquina foi recebida pela Madre Gertrudes, que só de clausura tinha mais de 65 anos. Na chegada, a regente do local, já chamou a atenção da moça por causa de suas roupas, logo em seguida ordenou que a noviça vestisse o hábito. Naquele dia em Ilhéus fazia mais de 42 graus, na sombra.

A primeira coisa que Joaquina deveria fazer era se apresentar ao Padre Noberto, um senhor de 50 anos, que estava cansado de suas obrigações religiosas, e ficava no convento só pra ouvir a confissão das freiras, e com isso saber dos pecados alheios.

A noviça entrou no confessatório e ficou esperando o padre, a demora do pároco fez a moça desmanchar de suor. Cansada de esperar, Joaquina resolveu ficar mais a vontade para se refrescar e respirar. Ficou tão a vontade que nem viu Padre Noberto chegar, ele por sua vez também ficou quieto, só observando a beleza da nova freira, que exibia os seios fartos e as coxas grossas molhadas de calor. 

Não entendendo a demora, Madre Gertrudes resolveu interferir e abriu o confessatório, de lá saiu um padre todo desconsertado e como dizia os mais velhos, pronto para a batalha dos sexos. Percebendo a sua descompostura o pároco esbravejou que Joaquina era a reencarnação do pecado na terra, e começou a gaguejar:

- Kina Tentação, quer me separar de Deus, Kina Tentação, quer me separar de Deus.
Sem dar chance de a moça argumentar, Noberto saiu do local, feito um louco.

Gertrudes, sem pensar, deu uma surra na candidata a noviça, e logo em seguida expulsou a moça do convento, apenas de calcinha.

- É assim que você, Kina Tentação, será vista por todos, como um lixo, um objeto do pecado e destruição da família, sacramentou a Madre.

A moça saiu perdida pelas ruas de Ilhéus, sendo motivo de piadas e da luxúria dos homens. Logo a notícia se espalhou e Kina Tentação, como era conhecida agora, foi também rejeitada pela mãe, que com vergonha mudou de cidade, sem dizer pra onde iria. Perambulando pelas vielas sujas dos piores bairros da cidade baiana, Joaquina viveu as piores experiências de sua vida.

Apesar de tantas humilhações e de ter seus sonhos usurpados por homens e por uma sociedade preconceituosa, que a julgou sem conhecer os fatos, Kina Tentação, nunca perdeu a fé, por isso rezou bastante, pra nunca desistir de mudar a realidade em que se encontrava. E foi numa dessas orações que a moça encontrou Lupanar, uma coroa alta e loura, digna de parar o trânsito.

A loura não revelava sua idade pra ninguém, dizia apenas que a cabeça era jovial, o corpo de menina e por dentro tinha o calor de uma loba no cio. Não era por menos que seu nome em latim significa "covil de lobas". Aliás, “Covil de Lobas”, era o prostíbulo mais animado de Cachoeira Preta, há 30 km de Ilhéus, e pertencia a Lupanar. Muitos homens, importantes ou não, saiam de lugares longínquos, só para frequentarem o estabelecimento.
E foi numa ida a Ilhéus, que Lupanar viu Kina Tentação. A moça rezava em frente à igreja que fica ao lado do convento de onde fora excomungada.

- Já ouvi falar de você! Não é possível que você esteja pedindo pra voltar a morar neste antro de desajustados, perguntou Lupanar.

- Não minha senhora! Estou pedindo pra Deus manter o meu corpo e beleza, pois será com eles que ganharei dinheiro para sair dessa vida, disse Kina.

Lupanar sorriu e não pensou duas vezes, levou a moça embora da cidade. Logo Kina moraria no Covil de Lobas, e também se tornaria a mulher mais bela e disputada do prostíbulo. A moça amadureceu tanto, ganhou tanta personalidade, que agora escolhia a dedo com quem ia pra cama, na maioria das vezes, lucrava sem tirar uma peça de roupa.

E uma coisa chamava mais a atenção do que a beleza de Kina Tentação. Toda vez que ia pra cama com um cliente, a moça, muito religiosa, rezava o terço. Isso deixava os homens impacientes, desesperados e loucos, muitos falavam mal, porém a morena nem ligava.

- Se estou aqui no profano é por causa do sagrado que me preservou, dissimulava Kina Tentação. Que ainda repetia a frase em latim e num tom de oração “Sum, propter profanos etiam hic sacram esse defendit”.

A frase suava tão sexy, na boca carnuda daquela morena sensual de olhos azuis, que os homens ajoelhavam aos seus pés e rezavam uma missa inteira com ela, aliás, duas missas, uma em português e outra em latim. Dessa forma saiam esgotados, pagavam o coito e ainda o dízimo.



sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Senhora do caminhão

Ilustrativo.
Já rodei tanto em Montes Claros, cada lugar improvável, que posso dizer que “quase” conheço cada canto dessa cidade. Nessa semana, um encontro maravilhoso, com uma moradora do bairro Vera Cruz, na Avenida Benjamin Campos. Aos 60 anos ela sobrevive como catadora de material reciclável. Segundo a moradora, ela começa a andar pelas ruas de Moc empurrando seu caminhão (uma espécie de charrete, porém menor), às 6 horas da manhã e só retorna às 16 horas, debaixo de sol ou chuva – só pra constar, Montes Claros faz uma calor de 40 graus – para se alimentar neste período, somente leva uma garrafa de água. 

- Já tentei várias vezes me aposentar, ninguém me ajudou e fui maltratada no INSS, parece que pobre não tem voz ou melhor, vez. 

- Neste ano de eleição todos batem na minha porta, agora sou lembrada, porém a corrida por voto passa e mais uma vez sou esquecida. Volto a ser mais uma sombra empurrando o caminhão, assim como sou uma sombra nas ruas, os carros faltam passar por cima de mim, quando peço um copo d´água na rua, as pessoas têm medo. 

Reflexão da senhora: “Como ter medo de uma senhora no sol quente, que quer matar a sede, que só trabalha empurrando um caminhão pesado, porque tem que se alimentar”. 

Despeço-me da senhora, pergunto seu nome e ela me responde: 

- Você é jornalista, respeito você, pois vocês trazem as notícias até minha casa, mas não vou falar meu nome pra você, vai colocar ele na TV. 

Esperta a mulher do caminhão.

Por Tiago Rodrigues